Talvez não lhe tenha escapado, amigo leitor, ao agudo senso de observação, a evidência destes fatos corriqueiros: primeiro, a DIFICULDADE que todos temos em reconhecer as QUALIDADES dos outros; segundo, a grande FACILIDADE com que, de imediato, lhes apontamos e criticamos os defeitos.
Inversamente, quando nos contemplamos a nós mesmos, somos dominados por uma grande DIFICULDADE em reconhecer nossos DEFEITOS e por uma imensa FACILIDADE em fazer notar nossas QUALIDADES.
E não percebemos que o nosso maior defeito consiste precisamente no fato de não nos corrigirmos dessa facilidade em corrigir os outros e dessa dificuldade em lhes estimular as qualidades.
De fato, não é fácil reconhecer as qualidades de nossos irmãos. Porque, reconhecê-las, significa aceitá-las, estimulá-las, incentivá-las, esforçarmo-nos por desenvolvê-las. Significa utilizarmo-nos delas para a correção de nossos defeitos. Significa que não devemos opor as qualidades dos outros a nossos defeitos, más devemos corrigir-nos de nossos defeitos, enriquecendo-nos COM as qualidades alheias.
Perigoso equívoco
Em consequência desse estrabismo em nossa conduta, Caímos, quase todos, muitas vezes inconscientemente, neste perigoso equívoco: o de pensar que o mundo vai mal por causa dos defeitos dos outros. E só não vai bem, e só não vai melhor, porque ninguém se apercebe o bastante da riqueza de nossas qualidades. Nós é que somos os altos padrões de honestidade, de seriedade, de sinceridade. Os outros é que, por seus incorrigíveis defeitos, são responsáveis pelos grandes e pequenos descalabros sociais. Se o próximo se corrigisse de suas falhas e desse chance à ostentação de nossas qualidades, o mundo seria melhor.
O resultado desse modo generalíssimo de pensar, é que o mundo continua indo de mal a pior. Porque ninguém pensa que tem defeitos a corrigir. Todo mundo pensa ter apenas qualidades a proclamar.
E quando todo mundo se julga desprovido de defeitos lamentáveis e cheio de qualidades invejáveis, ninguém se corrige do que deve, porque passa o tempo todo a corrigir o que não deve. Não se corrige do que deve, porque devia concentrar-se na correção de suas próprias falhas. Passa o tempo, a corrigir o que não deve, porque se concentra principalmente na correção dos defeitos dos outros.
Agora pense!
Pense, um pouco, se fosse diverso o modo de agir. Todo mundo passaria a corrigir-se dos próprios defeitos, ocupados que estariam em estimular, desenvolver e utilizar-se das re-conhecidas qualidades de seus irmãos.
Todo mundo dispor-se-ia, com a mais generosa boa vontade, a colocar suas qualidades, seus dons, seus talentos, a serviço dos outros. Som ostentação, sem cabotinismo., sem angustiar os outros com suas próprias frustrações.
E não haveria desânimo
Simplesmente, porque o que nos desanima não é o peso dos defeitos alheios. Desanimamo-nos, isto sim, por termos de carregar os defeitos alheios acumulados com o fardo dos nossos. Se nos aligeirássemos do peso de nossos defeitos pessoais, não acharíamos demasiadamente pesadas as falhas de nossos irmãos. Nosso irmão seria mais leve, se nós não fôssemos tão pesados. Não haveria espinhos na vida alheia, se não as feríssemos tanto, com aguçada ponta de nossos espinhos. Se todos semeássemos flores, ninguém haveria de colher espinhos. Não enxergaríamos tantas erupções na pele dos vizinhos, se não cultivássemos, com mal disfarçado amor, nosso estrabismo pessoal. Em suma, não nos impressionaria o “argueiro” no olho do próximo, se removêssemos a “trave” de nossos olhos.
E daí?
Daí se segue que devemos começar hoje a melhorar o mundo, a começar por nosso mundo interior. Hemos de fazer todos um esforço concentrado para erradicar nossos defeitos e para desenvolver as qualidades dos outros. Não odiaremos mais no próximo aquilo que não corrigimos em nós mesmos. Amaremos em nossos irmãos o transbordamento de nossas qualidades. A rijeza de nosso caráter inteiriço jamais será ferida pelos espinhos alheios. O próximo ficará mais polido de tanto se esmerilhar em nossa própria polidez. O próximo será mais rico, porque corrigindo-nos de nossas falhas, teremos mais riquezas a repartir com ele. E nós ficaremos mais felizes, por tornar mais felizes nossos irmãos corrigindo-nos de nossas deformações.
Amém.
Padre Pedro Lopes
(Atendendo a pedidos republicamos essa crônica do Padre Pedro)
Nota da Redação: para aprofundar o assunto recomendamos a leitura do livro ‘Pare de Reclamar e Concentre-se nas Coisas Boas’, de Will Bowen. Tem preço bastante acessível e propõe um jeito diferente de encarar o mau humor e as reclamações do cotidiano. Vale a leitura!
