Em 31 de outubro, comemoram-se os quinhentos anos do início da Reforma Protestante (1517-2017), data em que o monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546) posicionou-se contra algumas doutrinas da Igreja Católica Romana, com suas famosas 95 teses.
Nesses longos anos, aconteceram acusações mútuas, conflitos que provocaram mortes, a instrumentalização da religião para fins políticos, a excomunhão – feridas que, ainda hoje, são relembradas. Graças a Deus, algumas delas estão sendo sanadas.
Isto é obra do Espírito Santo (UR, 2) que, nos últimos cem anos fez nascer e crescer o “movimento ecumênico entre as Igrejas Protestantes”.
São muitas as inciativas que este movimento suscitou, e duas delas merecem destaque: a Conferência de Edimburgo (1910), considerada como “a hora e o lugar de iniciativas ecumênicas”, e a criação do Conselho Mundial de Igrejas, em 1948.
A Igreja Católica recusou os convites e não participou porque as via “com muita cautela”. Para ela, “a união verdadeira se realiza com o retorno dos dissidentes à única e verdadeira Igreja de Cristo” (leia-se, a Católica). Isto é tão verdade que a Encíclica Mortalium Animus (1928) de Pio IX diz: “A Sé Apostólica não pode, de nenhum modo, participar das suas reuniões e, de nenhum modo, podem os católicos aderir a tais tentativas ou lhes prestar ajuda”.
Aqui e ali, porém, havia iniciativas isoladas de lideranças e grupos católicos, no âmbito da espiritualidade e da caridade.
Estas pequenas chamas foram os lampejos para que a Igreja, como Instituição, realizasse grandes passos rumo ao ecumenismo, nos últimos 50 anos.
Começou com o Papa João XXIII que convocou o Concílio Vaticano II, justamente, no final da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (25/01/1959). No ano seguinte, criou o Secretariado para União dos Cristãos (05/06/1960). Convidou observadores ortodoxos, anglicanos e protestantes para participarem do Concílio Ecumênico (1962 -1965) que publicou a Unitatis Redintegratio, verdadeira declaração para “promover a restauração da Unidade dos Cristãos”.
Retirou expressões antissemitas na Liturgia de Sexta-Feira Santa.
Em dezembro de 1965, Paulo VI revogou a excomunhão ao Patriarca de Constantinopla, ocorrida em 1054. Dez anos depois, beijava os pés do metropolita Meliton. Como retribuição a este gesto, o Patriarca envia-lhe uma lâmpada de sua capela privada, com os dizeres: “Que a mesma luz nos ilumine sempre”.
João Paulo II continuou os avanços com a Encíclica Ut Unum Sint, a qual reconhece que há “elementos salvíficos nas outras Igrejas cristãs”.
Por ocasião dos quinhentos anos do nascimento de Lutero (1983), visitou um templo luterano e, assim se expressou: “O mundo experimenta, ainda hoje, a importância de Lutero na história”. Assinou, aos 31/10/1999, a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, em Augsburg (Alemanha), da qual extrai-se esta frase lapidar: “Os cristãos são redimidos, somente, pela graça (…) que nos capacita e chama para as boas obras”.
Dezessete anos depois (31/10/2016), o Papa Francisco e o Presidente da Federação Luterana Mundial, Bispo Munib Younan, na Catedral de Lund (Suécia), assinam a declaração conjunta “Do conflito à Comunhão”. Ambos pedem perdão pelos erros cometidos, mas, acima de tudo, o texto aponta o que podemos fazer, daqui pra frente.
Entre as ações concretas, está o desejo de “receber a Eucaristia numa única mesa, como aspiram muitos membros de nossas comunidades”. Ela é o “Sacramento da Unidade” (UR, 2), no entanto, é, também, motivo de divisão.
A Assembleia de Nairóbi (1975), assim se expressa: “Lamentamos a circunstância de que o estado das relações das Igrejas entre si, não permite a instauração de plena comunhão na Eucaristia”. Entre os casais de casamentos mistos (católicos com luteranos e vice-versa), há o anseio de que ambos “participem da Eucaristia católica e da Ceia protestante. Os luteranos aceitam, mas Roma, ainda não” (esta afirmação é feita por um pastor em artigo da internet).
O motivo é doutrinário. Na visão católica, o pão consagrado torna-se o Corpo e Sangue de Cristo, ainda que mantenha a aparência de pão. Para o luterano, a presença de Cristo é “efêmera”, isto é, Ele está presente durante o ato religioso. Terminado este, volta a ser pão normal.
O Papa Francisco, em novembro de 2015, visitou uma comunidade luterana e a presenteou om um “cálice para a Ceia do Senhor”. A pastora que o recebeu diz “é um presente repleto de valor simbólico”.
O Papa Paulo VI revogou a excomunhão ao Patriarca de Constantinopla, mas a de Lutero, não! A excomunhão de Leão X, em 1521, continua em vigor.
“Para as Igrejas Cristãs, é difícil aceitar certos dogmas como o Primado de Pedro, a infalibilidade papal, o perdão dos pecados através da Confissão, a doutrina da transubstanciação, Imaculada Conceição, Assunção. E, para o católico ortodoxo, é difícil compreender que é possível ser um seguidor de Cristo, sem estar obrigado a aceitar tais dogmas” (Dicionário Teológico da Vida Consagrada, p. 361).
Olhando para um futuro próximo, é ilusão sonhar com uma união de todos os cristãos para formarem “um só corpo”. Ela virá, mas só após um longo peregrinar (cf. 1Rs 19,7).
A divisão foi causada pelo ser humano e deve ser eliminada mediante sua própria conversão, tendo o Espírito Santo como fonte ao qual, todos devem escutar.
Os impasses doutrinários dependem do estudo e da ciência. Mas realizar gestos concretos, como os citados acima, estão ao alcance de todos. E, quando isto acontecer, saibamos “atribui-los a Deus do qual procede todo o bem” (São Francisco)!
Frei Luiz Iakovacz
fonte: Franciscanos
